quinta-feira, 12 de maio de 2011

2º Grande Mito - As Ciências e as Humanidades são incompatíveis


 
                      VS.








    Ciências? Humanidades? Estes conceitos parecem, à partida, antagónicos. No entanto, será que os seus conteúdos não se intersectam?
            As línguas, e humanidades no geral, estão à nossa volta: desde o idioma que falamos à publicidade, os discursos políticos, a argumentação do dia-a-dia, o nosso passado histórico, os problemas éticos, entre tantos outros. No entanto, olhamos em nosso redor e vemos que também a ciência nos rodeia. Desde o mecanismo de um automóvel à medicina, a investigação, a arquitectura, ou até mesmo a criação de meios de comunicação pelos quais divulgamos as informações científicas ou humanísticas.
            Porque diremos, então, que ciência e letras não se misturam? Não passará essa afirmação de puro preconceito, do qual ainda não nos demos ao trabalho de nos libertar?
          É com vontade de alterar esta crença, que o nosso grupo apresenta o Segundo Grande Mito: "As Ciências e Humanidades são incompatíveis".

            Para desenvolver a temática do nosso 2º Grande Mito, dividimos a apresentação do mesmo em três etapas principais: uma entrevista às nossas professoras de Português e Biologia, as professoras Carla Canelas e Celeste Calado, respectivamente, e convidámos o Dr. Moita Flores para dar uma palestra na nossa escola.

Entrevista à Professora de Português, Carla Canelas
Entrevista à Professora de Biologia, Celeste Calado


1.   Qual o seu parecer sobre o habitual preconceito abordado no nosso Segundo Grande Mito: “As Ciências e as Humanidades são incompatíveis”?

            É evidente que não são incompatíveis! Baste que recordemos os nossos “cientistas-escritores”: o médico Joaquim Guilherme Gomes Coelho – o ficcionista Júlio Dinis (1919-1989); o médico otorrinolaringologista Adolfo Correia Rocha – o poeta, ficcionista, dramaturgo, ensaísta e memorialista Miguel Torga (1907-1995); o professor de ciências Físico-Químicas Rómulo Carvalho – o poeta António Gedeão (1906-1997); o médico psiquiatra e escritor António Lobo Antunes; ainda António Damásio e Maria de Sousa, de entre outros cientistas de renome.
            Ora, no século XV, quando o sábio italiano Giovanni Pico Della Mirandola (1463-1494) considerava que as Humanidades compreendiam o conhecimento e a sabedoria das áreas da literatura e das artes, bem como o espírito filosófico e científico, mostrava que as Humanidades, isto é, a cultura, e as Ciências não são antagónicas. Esta ideia também é veiculada, nos dias de hoje, pelo Professor Vítor Manuel de Aguiar e Silva que, na sua obra As Humanidades, os Estudos Culturais, o Ensino da Literatura e a Política da Língua Portuguesa (Almedina, 2010), considera as Humanidades como «saberes sistematizados que ensinam (ensinem) o homem a falar, a discorrer, a interpretar, a argumentar, a ponderar os valores, a tomar decisões na esfera política, a representar poética e simbolicamente as suas acções, as suas virtudes, as suas misérias e os seus sonhos.»

            Um cientista tem que possuir inúmeras competências, objectividade, capacidade de síntese, sentido crítico e observador, persistência, entre as quais uma boa capacidade de comunicação. Um dos papéis do cientista é comunicar os seus estudos, pesquisas e investigações a outras pessoas, quer através de palestras, conferências ou artigos científicos.



2.   Na sua opinião, porque é que a tendência é, cada vez mais, em distinguir e separar o mais possível estas duas áreas?


            Esta realidade é consequência do “materialismo” que caracteriza a sociedade contemporânea, dado que as “letras” não são criadoras de grandes perspectivas em relação a uma futuro risonho e promissor; esta área não se compatibiliza com o cariz tecnocrático e economicista do mundo onde nos inserimos.
            A tutela que nos orienta, que nos governa, também não está isenta de culpa, quando valoriza as disciplinas científicas, e até as de “cariz prático”, em detrimento das humanísticas!. A este propósito, não posso deixar de citar Arnaldo Lopes Marques: «Dir-se-á que os ocupantes do poder, os decisores, eles próprios, já serão típicos produtos culturais em que o “outrem” se encontra irremediavelmente rasurado e nos quais haverá diminutos vestígios de consciência do que desconhecem. Trata-se, no geral, das pessoas que não leram, de facto, livros fundamentais, que nunca mergulharam no legado greco-latino e nem sequer no legado bíblico e para as quais a leitura não é ocupação que passe, por norma, dos jornais, e tal como a cultura pessoal, ao invés de ser um persistente processo de questionamento e aperfeiçoamento interior, se limita às inanidades da tagarelice de salão em que tudo se equivale e se vota a um desprezo cínico pelo que se não alcança.» (in Jornal de Letras, 15 a 28 de Dezembro de 2010).

            Eu penso que já não é assim felizmente. Daí que os alunos de ciências continuem a ter disciplinas da área das humanidades ao longo do seu percurso académico. Já o mesmo não se verifica com os alunos das Humanidades, mas isso… é porque nós (os cientistas) somos especiais e dominamos todas as áreas do saber ( J “tava” a brincar).





3.   Qual a sua sugestão para que estas áreas sejam vistas de formas menos distintas?
            É uma questão cultural, na minha opinião. É necessário que, desde cedo, os educadores transmitam a ideia de que não há clareza de espírito e de ideias, não há riqueza vocabular, não há criatividade, não há argumentação pertinente e eficaz, não há exposição coerente, ordenada e apelativa, se não houver mentes abertas, curiosas e atentas em relação a todas as áreas do saber. Distorcendo uma afirmação do professor universitário e engenheiro Eugénio Lisboa, diria que manusear Arquimedes, Pitágoras ou Euclides não é mais “chic” do que saber Ésquilo, Sófocles ou Virgílio!
            Um cientista é aquele que imagina, que cria, que experimenta, que faz descobertas, tornando-se, por isso, um artista! Um cientista brilha como uma estrela quando demonstra com nitidez, clareza e luminosidade os seus saberes, a sua imaginação criadora, a sua visão do Homem e do mundo: «[…] o teatro grego  -  a tragédia grega – é um exemplo espantoso de arte, em que há finalidades que se confundem com as da ciência na tentativa de compreender o espírito humano.» (António Damásio, in Ler, Novembro de 2010)

            Hajam mais trabalhos interdisciplinares, mostrando-se assim o quanto podem estar próximas essas duas áreas, e o quanto dependem no fundo uma da outra, ou pelo menos se complementam.



4.   Caberá aos professores a responsabilidade de guiar os alunos para que estes se interessem por diferentes matérias, relacionando-os ao invés de separá-las?

            É óbvio! Assim como os cientistas e os seus textos entram nas salas de aula de Português, o mesmo acontecendo com as diferentes formas de arte e a filosofia, porque não “invadir” os laboratórios das áreas científicas com poesia, por exemplo? Usufruamos, então, de algumas estrofes de um dos nossos “cientistas-escritores”, António Gedeão: «Não há, não, / duas folhas iguais em toda a criação. / Ou nervura a menos, ou célula a mais, / não há, de certeza, duas folhas iguais. /  Limbo todas têm, /que é próprio das folhas; pecíolo algumas; bainha nem todas. / Umas são fendidas, / crenadas, lobadas, / inteiras, partidas, / singelas, dobradas. / […] / »; «Encontrei uma preta / que estava a chorar, / pedi-lhe uma lágrima / para a analisar. / Recolhi a lágrima / com todo o cuidado / num tubo de ensaio / bem esterilizado. / Olhei-a de um lado, / do outro e de frente: / tinha um ar de gota / muito transparente. / […] /»; «[…] / Mas o meu coração é como o dos compêndios. / Tem duas válvulas (a tricúspida e a mitral) / e os seus compartimentos (duas aurículas e dois ventrículos). / O sangue ao circular contrai-os e distende-os / segundo a obrigação das leis dos movimentos. / […] / Então, meninos! / Vamos à lição! / Em quantas partes de divide o coração?»

«A língua portuguesa é a mais esplendorosa, perdurável e irradiante criação de Portugal.»
Vítor Manuel de Aguiar e Silva


            Sim. Cabe aos professores fazerem isso, mas não só, porque os professores têm que seguir um programa que lhes é imposto e que muitas vezes não contempla estas problemáticas o que é pena.



Palestra com o Dr. Francisco Moita Flores
Em breve...




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